terça-feira, maio 04, 2004

Homenagem a Amaro da Costa

E, já agora, de Manuel Pinto Machado, presidente do Conselho Directivo do IDL - Instituto Amaro da Costa, o artigo Uma Palavra, na introdução à mesma edição de homenagem ao primeiro civil ministro da Defesa Nacional, em democracia, o nosso mais carismático vice-presidente fundador, a nossa grande referência histórica.

UMA PALAVRA

Neste ano de 2004, com um projecto político no Governo semelhante ao que o Engº Adelino Amaro da Costa viveu, embora numa conjuntura antípoda e diferente, com grandes reformas na importante área da Defesa Nacional e, eventualmente, uma revisão constitucional, parece oportuno revelar o trabalho legislativo por ele desenvolvido como Ministro da Defesa.

Convém esclarecer, ou tão somente recordar, que nesse tempo não só os gabinetes ministeriais eram diferentes e mais reduzidos, como no caso particular do da Defesa, praticamente não havia militares no activo, porque era arriscado para a carreira, que estivessem, em exclusivo, ao serviço do Ministro e assim o pudessem convenientemente assessorar.

Também “constitucionalmente” falando, Amaro da Costa estava à vontade, pois teve a coragem e a honra, com os seus companheiros de bancada, de, no tempo devido, naquela hora e naquele lugar conspícuo da Constituinte, e perante um País escaldante, votar contra um documento fundamental e duradouro, com consequências marcantes no novo posicionamento do cidadão que, infelizmente, ainda hoje perduram, e que deixou cicatrizes profundas e complexos de estado e estilo que se enraizaram na nossa gente.

Recordo que Amaro da Costa foi o primeiro civil a ocupar a pasta da defesa nacional (a 3 de Janeiro de 1980) após o 25 de Abril, pois esta responsabilidade esteve durante seis anos reservada a militares do activo , felizmente serenos, (Firmino Miguel, Vítor Alves, Silvano Ribeiro e Loureiro dos Santos) e que durante o seu breve mandato ainda o Presidente da República acumulava com a Chefia do Estado Maior General das Forças Armadas e mais ainda com a presidência daquela excrescência antidemocrática, o auto denominado Conselho da Revolução. Mas nada indicaria, nem levava a crer, diz quem o acompanhava na altura, que viesse a abraçar a pasta da defesa nacional, sobretudo na sua primeira experiência ministerial, pois nenhum, ou quase nenhum, interesse especial por essas matérias se lhe conhecia, e ao que parece, havia até interesse por outra. Tome-se nota, de rodapé, que Adelino não integrou, sendo ele um dos criadores, o 2º governo constitucional, PS/CDS, de janeiro a julho de 1978, preferindo quedar-se pelo largo do Caldas a fazer figas ... e a esperar calmamente, baseado na sua máxima de que nenhum partido nasce vocacionado para a oposição, que a sua magia desse resultado, de forma a ser criada a plataforma que, essa sim, tornou possível a ímpar concepção da aliança democrática, afastando para longe, no tempo, o fatal espectro de um bloco central.

Adelino esteve em funções 11 meses e 1 dia e, mesmo manietado pelos dois órgãos de soberania referidos e pela independência das forças armadas perante o poder civil, conseguiu enviar para aprovação do governo as leis referentes à orgânica do Ministério da Defesa Nacional, serviço militar obrigatório, indústrias de defesa, serviço nacional de protecção civil (com o desenvolvimento de novos sistemas de coordenação), a passagem do serviço nacional de ambulâncias (hoje INEM) que estava sob jurisdição da defesa (somente porque tinha um vultoso orçamento ou uma boa rede de comunicações) para o ministério dos assuntos sociais, exportação de material de guerra ( que passaria para a área da defesa), reforço rápido NATO (em conjugação com os transportes ,nomeadamente aéreo e marítimo), autoridade nacional de segurança e a lei de defesa propriamente dita, juntando a tudo isto um desafio a toda a oposição para um debate público sobre o conceito e a razão da Defesa Nacional.

Em simultâneo, e curiosamente escrevendo artigos de opinião em jornais e semanários de esquerda , luta na praça pública pelo prestígio dos militares e das forças armadas e, no orçamento de estado assim o prova, propondo a possibilidade de um salto qualitativo importante na qualidade de vida dos seus membros profissionais, tanto prestigiando a qualidade de militar como remunerando-a devidamente. E digo curiosamente, porque afinal Adelino, no seu curto consulado, conseguiu muito mais dignidade para os militares do que os pares destes do Conselho de Revolução, que só os minimizaram e desprezaram aos olhos da opinião publica, mal injusto de que, ainda hoje, sofrem.

O segundo tenente da reserva naval (fez o serviço militar na Armada onde conheceu e se tornou grande amigo de Diogo Freitas do Amaral) passeava-se, com respeito naturalmente e com consideração certamente, no meio dos Almirantes, com o à vontade que a sua razão, inteligência e determinação lhe concediam. E, para grande raiva de, felizmente, poucos, era retribuído pela esmagadora maioria.

Também considerava prioritário, e isso era uma novidade no conceito e na forma, a implantação de uma política nacional de bens e serviços de interesse para a defesa. E mesmo o problema mais delicado de todos, que era, e ainda o é, e de impossível abordagem ao tempo, o que focava o redimensionamento das Forças Armadas, na relatividade entre os seus ramos perante a ou as vocações de Portugal neste novo contexto e neste novo mundo, foi, reservada mas oportunamente, sendo colocada, embora de forma , não direi temida mas cuidadosa . Ponto esquecido, por muito quente, só agora, 20 anos e não sei quantos Ministros depois, voltou a ser equacionado e após mencionadas as vocações, lógicas e esperadas, que agora só, infelizmente, nos restam.

Como é sabido o general Ramalho Eanes, utilizou o denominado veto de bolso para não promulgar nenhum dos diplomas aprovados pelo legitimo Governo de Portugal, o que originou uma escaramuça política e uma desconfiança que, para além de ter prejudicado seriamente as forças armadas e o prestígio do nosso País, animou imenso aquele maravilhoso ano, até porque, num acto inesperado e queiroziano , o senhor general devolveu o envelope que previamente, por educação e ética, lhe havia sido endereçado e enviado.

É esse envelope que aqui se desvenda, para que fique arquivado no dossier político deste Homem grande.

Paralelamente, na NATO, Adelino Amaro da Costa, tornando-se facilmente quase íntimo do Secretário Geral, o holandês Joseph Luns (refugiado em Portugal por uns tempos, durante a II guerra mundial), conseguia que a confiança dos nossos parceiros voltasse, autorizando-nos a reintegrar o NPG (nuclear planning group) e a já nele tomar assento de pleno direito na reunião de Bodo, no norte da Noruega. Defendeu a entrada urgente da Espanha, em estatuto pleno ou seja, já com a parte militar, preparou os passos para que um oficial general português comandasse a área ibero-atlântica e que esta passasse a ter controle operacional e estratégico sobre o arquipélago dos Açores e deixasse de ser Norfolk, e ainda conseguiu o apoio internacional para a compra de 3 fragatas de luta anti-submarina (hoje as Meko). Aquando da assembleia atlântica, no Funchal, onde se impôs ao explicar a sua interpretação da aliança como uma pomba com garras de falcão e mostrando o exemplo de Portugal, que foi o primeiro país, sem complexos nem medos, a decretar o embargo económico ao Irão, durante o episódio dos reféns americanos.

Dizia Adelino, que havia três elementos chave na Aliança Atlântica - a solidariedade como espírito, a consulta como método e a firmeza como atitude.

Amaro da Costa, para além disso, compreendeu bem que quando se fala de operações de paz e conflitos de baixa intensidade se tem de pôr em prática as perícias próprias de todas as disciplinas das operações militares, e assim assentou toda a sua experiência, nomeadamente a política, na condução de um Ministério que quase só tinha Ministro, o que foi, para quem se lembre, uma obra de arte.

Sendo um número dois, nunca fez parecer que o seria eternamente, mas também nunca manifestou qualquer sinal, por mínimo que fosse, que queria saltar o trampolim ou mudar de camisola. Mas para além de tudo que fica certamente na história e na memória, onde realmente Adelino mostrou que vale a pena viver, foi no enorme coração que colocou ao serviço dos outros, dos amigos, dos companheiros, dos homens que queriam ser livres e viver com dignidade. O ter atingido, um dia, o poder não o cegou nem o fez virar a cara, antes o predispôs a usá-lo para ajudar, dar uma mão, uma palavra, um gesto. Melhor não parece fácil.

Dizia Adelino Amaro da Costa que “... em 25 de Abril de 1974 findava a II República, a de um regime mais interessado na autoridade que no povo, mais zeloso do estado que da sociedade, mais proprietário da história que servidor da nação. Começou a III República mas, apesar disso, 1974 marca mais um fim de que um princípio, pois não conseguiu ser um inicio adulto de um novo regime. Ficará na história como um regime intercalar, onde alguns tentaram tomar como definitivo o que em democracia sempre será transitório”.