Tem este mesmo título o prefácio de Paulo Portas, ao livro recentemente editado pelo IDL - Instituto Amaro da Costa [nº. 52 da revista "Democracia e Liberdade], onde se recolhem os trabalhos de governo de Adelino Amaro da Costa, enquanto ministro da Defesa Nacional, em 1980. Pelo grande interesse do texto, publicamo-lo na íntegra:
O MINISTRO OCIDENTAL
“Vejo na defesa do Ocidente, acima de tudo, a luta pela liberdade e pelos direitos do Homem; o combate pela democracia; a ampliação das condições materiais de realização da dignidade da pessoa humana”
Adelino Amaro da Costa
Discurso no Funchal durante a 26ª Assembleia-Geral da Associação do Tratado do Atlântico, 5 de Setembro de 1980
A distância histórica permite-nos hoje afirmar como era difícil ser ministro da Defesa quando Adelino Amaro da Costa o foi. Recordemos as circunstâncias.
Após os três governos de iniciativa do Presidente da República, general António Ramalho Eanes, que se sucederam no ciclo de instabilidade iniciado em Agosto de 1978, as eleições intercalares de 2 de Dezembro de 1979 proporcionaram a maioria absoluta à Aliança Democrática. Amaro da Costa foi então formalmente nomeado ministro da Defesa Nacional do Governo de Francisco Sá Carneiro, sendo o primeiro civil a assumir tal responsabilidade desde o 25 de Abril.
Para os jovens de hoje, que beneficiam do privilégio de viver num regime plenamente democrático, é difícil perceber o contexto de que falamos. É sobretudo para eles que escrevo e, por isso, lembro que Adelino Amaro da Costa começou por herdar um ministério praticamente despojado de competências próprias. Quando a Aliança Democrática chegou ao poder, o Presidente da República era também Chefe de Estado-Maior-General das Forças Armadas. Existia ainda um órgão anacrónico – o Conselho da Revolução – que pretendia ser o guardião omnipotente das chamadas “conquistas de Abril”, que invocava a sua “legitimidade revolucionária” para vetar leis, que tutelava as Forças Armadas de forma arbitrária.
Mais do que isso, acrescente-se, as Forças Armadas eram absolutamente independentes do Governo, tinham os seus próprios órgãos de decisão política. Como Amaro da Costa adiantava numa entrevista há mais de vinte anos, não existia sequer um contacto regular, institucionalizado na lei, entre as Forças Armadas e o Governo.
Mas Adelino Amaro da Costa foi sempre um homem sem medo e dedicou-se a combater a militarização da política portuguesa.
Como ele próprio o disse, em plena Assembleia Constituinte no ano de 1976, acreditou desde o início “na capacidade do povo português para construir em Portugal a democracia. Apesar de tudo e contra muitos”.
Foi assim que começou a construir laboriosamente, pedra a pedra, o edifício normativo da Defesa Nacional que haveria de enquadrar as Forças Armadas na premissa mais elementar de qualquer democracia ocidental: a sujeição voluntária e ordeira ao poder civil legítimo.
Portugal deve-lhe o máximo que um país pode pedir a um estadista ou que a democracia pode exigir a um dirigente político. Desde logo, criou a lei orgânica do Ministério, a primeira versão do que viria a ser a Lei de Defesa Nacional, as leis que possibilitaram o nascimento das indústrias de Defesa, a Autoridade Nacional de Segurança, o regime de exportação de material de guerra, a revisão da lei do Serviço Militar Obrigatório, entre muitos outros projectos e diplomas que agora se apresentam neste livro.
Era um político à frente do seu tempo e todas as transformações jurídicas a que procedeu indicam um pensamento lógico e determinado, estribado em princípios sólidos, estabelecendo uma estratégia de acção, com um objectivo evidente: a harmonização da legislação portuguesa no domínio da Defesa com o que já era a prática das nações democráticas integrantes da Aliança Atlântica, numa altura em que ainda se vivia a lógica dos blocos político-militares.
O risco político e ideológico era imenso, como infelizmente se verificou mais tarde, porque eram muitos ainda os adversários ferozes da democracia em Portugal. Tal como noutros campos, Adelino Amaro da Costa propunha um País mais moderno, mais justo e, por isso, totalmente liberto de tutelas pseudo-revolucionárias.
Lendo o que escreveu ou o que disse há mais de vinte anos, compreende-se a lucidez e mesmo o futurismo deste homem ímpar. Foi com ele que Portugal, após ter sido afastado durante o período revolucionário, voltou a integrar o Grupo de Planeamento Nuclear da NATO. Com a sua liderança procurou-se contribuir para a maior dignificação das Forças Armadas, para a sua modernização, o seu reequipamento, a melhoria do estatuto do seu pessoal e a sua dotação com adequados meios financeiros. Deram-se também, como já disse, passos muito importantes no sentido de preparar a futura subordinação das Forças Armadas ao poder civil democrático.
Era um português tão bom e tão grande, tão sensato e tão corajoso, que conseguiu deixar entre todos nós – mesmo os que não o conheceram pessoal ou profissionalmente – um irremediável sentimento de saudade, mas também o imperativo categórico de continuar a sua missão. Assim o sejamos capazes. A memória da sua distinção de coração e a sua coragem na acção viverá para sempre no espírito do nosso tempo e nas histórias escritas pelas gerações que hão-de vir.