sexta-feira, abril 02, 2004

CDS: o único que teve a coragem e deu o exemplo de se considerar da oposição


Antes da votação final da Constituição e do encerramento da Assembleia Constituinte, interveio para uma declaração política, nessa última sessão em 2 de Abril de 1976, um representante por partido político.
Pelo CDS, usou da palavra o líder do partido, Diogo Freitas do Amaral, que proferiu um discurso extremamente marcante, fazendo o balanço da Constituinte e olhando já às eleições seguintes, onde o CDS, fruto da coerência, equilíbrio e consistência das suas posições, subiria de 7,5% para 16% dos votos e veria a sua representação parlamentar subir de 16 para 42 deputados.

O Sr. Freitas do Amaral (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Chega hoje ao termo dos seus trabalhos a Assembleia Constituinte. No momento em que o primeiro órgão de soberania eleito dá por finda a missão de que foi incumbido, o CDS deseja prestar solene e pública homenagem ao princípio democrático que lhe serviu de fundamento, ao povo português, que, mediante o sufrágio, lhe designou os membros, e à instituição em si, que, através de tantas vicissitudes, soube resistir às ameaças que a rodearam, impor-se ao respeito de todos e levar a cabo uma tarefa difícil e melindrosa. Não está em causa, neste momento, fazer o balanço da actividade propriamente constituinte da Assembleia: está sim em causa a forma exemplar como superou as crises em que se viu envolvida, como se firmou no terreno movediço de uma Revolução que de início a não amava e como soube ser o espelho em que os Portugueses viram em cada crise retratadas as suas preocupações, os seus protestos e as suas esperanças.
A Assembleia Constituinte foi bem, durante este ano que passou, a prefiguração das instituições parlamentares plenas que em breve irão ser designadas pelo voto livre do eleitorado. Mau grado os esforços em contrário feitos por quem então lançava aos quatro ventos a afirmação triunfalista de que em Portugal não haveria uma democracia parlamentar, o certo é que ela não só ficou consagrada na Constituição aqui aprovada, como foi sendo gerada e preparada no seio desta Assembleia através dos métodos de trabalho adoptados pelos vários grupos parlamentares, da utilização do período de antes da ardem do dia, em boa hora instituído, e do estabelecimento de contactos bilaterais com os parlamentos de numerosas democracias europeias.
À Assembleia Constituinte - até agora símbolo único da soberania popular, tribuna privilegiada da representação nacional e embrião vivo de um parlamento democrático em gestação - deseja o CDS dirigir, neste momento, as suas saudações e as suas homenagens.

Sr. Presidente e Srs. Deputados:

Durante o ano que passou, o partido a que pertenço afirmou-se, neste hemiciclo e fora dele, como partido democrático, como partido centrista, como partido de oposição.
Em primeiro lugar, um partido democrático. O CDS sempre respeitou os princípios próprios da democracia. O CDS não violou uma única regra do comportamento democrático. E no momento em que regressam à legalidade política tantas figuras que, na sedição interna ou na clandestinidade exterior, se deixaram convencer por um ou por outro projecto de orientação golpista, o CDS tem orgulho em poder apresentar-se como partido que não conspira, que não se deixa aliciar e que só aceita, tanto para os outros como para si próprio, o jogo da democracia.
Ao que parece, ainda haverá por aí quem se sinta atraído pela tentação do golpe; ainda haverá quem sonhe com o regresso ao passado, na forma patente de um governo autoritário de direita ou na forma oculta de uma ditadura pluralista de esquerda. A uns e a outros o CDS tem a dizer muito claramente: se é essa a vossa intenção, não contem connosco!
Em segundo lugar, o CDS tem sido sempre, em todas as suas atitudes, um verdadeiro partido centrista. Um partido ponderado, calmo, tolerante. Um partido de cujos dirigentes nunca saiu um insulto, de cujos textos nacionais não consta um ataque pessoal, de cujos Deputados não se ouviu calúnia nem injúria.
Sabem os membros desta Assembleia que não utilizámos nunca o tom provocatório, que não foi por nossa iniciativa nem com o nosso aplauso que se viveram aqui no hemiciclo momentos de conturbada exaltação e que sempre nos esforçámos por manter o sangue-frio, quando outros à nossa volta o iam perdendo.
Mas o centrismo não é apenas, no plano dos comportamentos, uma maneira de ser que pretende colocar a serenidade da razão acima do nervosismo das emoções. O centrismo é também, no plano das ideias, uma maneira de pensar que preconiza a abertura do espírito, a síntese das contribuições válidas donde quer que venham, e uma ânsia de progresso e de justiça tão acentuada que se torna incompatível, tanto com a indiferença do conservantismo social, como com a sofreguidão do radicalismo político.
Alguns teimam, contra toda a evidência, em querer colocar-nos à direita, talvez por terem a sua vista confinada às bancadas de S. Bento. Mas, se a direita, depois das próximas eleições, penetrar na Sala das Sessões, logo verão a diferença. O CDS, até hoje, tem sido centrista por atitude e por convicção: talvez que em breve venha também a ser centrista por contraste.
Em terceiro e último lugar, o CDS vem sendo, desde o 11 de Março, um partido de oposição. Fomos, de entre os muitos partidos que em Portugal discordaram dos sucessivos Governos Provisórios, o único que teve a coragem e deu o exemplo de se considerar da oposição: coragem, porque entre o 11 de Março e o 25 de Novembro não foi fácil para nós arrostar com a fúria devastadora de quem não via em nós adversários, mas inimigos, e exemplo, porque era necessário iniciar os Portugueses na aprendizagem da democracia, e esta não existe onde não houver oposição.
Assumindo-se como partido de oposição, o CDS não se limitou a habituar os seus simpatizantes, bem como os outros partidos, à existência de uma instituição essencialmente democrática; prestou ainda um outro serviço à causa da democracia, na medida em que ajudou a canalizar o descontentamento popular para um partido democrático, criando a imagem de uma alternativa dentro do regime e anulando, assim, eventual adesão a uma alternativa contra o regime.
O 25 de Abril fez-se para substituir a ditadura pela democracia. A democracia pressupõe a existência de uma oposição. Parece, pois, legítimo concluir que, assumindo a natureza e desempenhando a função de partido da oposição, o CDS foi, durante este ano, não apenas o testemunho vivo de que em Portugal se caminhava para a democracia, mas também, de algum modo, a encarnação do espírito democrático que presidiu ao 25 de Abril.

Sr. Presidente, Srs. Deputados:

As próximas eleições vão constituir, assim o esperamos, um marco fundamental na história política do nosso país. Todos os partidos democráticos têm razões para estar de parabéns por terem conseguido que elas se fizessem e se fizessem agora. Com todos os partidos democráticos - e em especial com aqueles que aqui ajudaram a defender a Assembleia Constituinte e, com ela, a democracia nascente - o CDS partilha a satisfação, o entusiasmo e a alegria do novo período eleitoral que se avizinha.
Esperamos sinceramente que a campanha eleitoral decorra, da melhor forma, isto é, em paz, na liberdade e com civismo: que o eleitorado saia dela esclarecido e não confundido; que todos os partidos vejam assegurados, pelo Governo e pelas Forças Armadas, os seus direitos democráticos em todas as regiões do País.
É preciso que a democracia e os partidos que a representam se não desautorizem nesta campanha, antes reforcem nela o seu prestígio aos olhos do povo português.
E seja-me permitido terminar com uma nota pessoal. Nenhuma democracia é possível se os Deputados dos diferentes partidos não conseguirem estabelecer, por cima das fronteiras ideológicas que os dividem, sólidos laços de relação pessoal.
O CDS, ao despedir-se hoje de todos, não esquece que em muitos deixa bons amigos. A luta política pode trazer-nos aqui partidariamente mais distantes; espero, no entanto, que isso nos não impeça de regressarmos humanamente mais próximos.
Tenho dito.


[ Cfr. págs. 4426-4427 do “Diário da Assembleia Constituinte”, nº. 132, de 3 de Abril de 1976.]