quarta-feira, abril 28, 2004

CDS no 25 de Abril (1979)


Em 25 de Abril de 1979, é Nuno ABECASSIS, o mais carismático autarca da história do CDS, que fala em nome do partido na Assembleia da República:

«Pela terceira vez consecutiva, e com representantes eleitos pelo povo, que tem esta Assembleia como casa e como local de trabalho, mais um aniversário do 25 de Abril, que desde a primeira hora quisemos democrático e por isso mesmo pluralista, libertador do homem e da sociedade portuguesa.
Foi assim que há dois anos, desta mesma tribuna, o CDS se pôde referir ao seu contributo, prestado com coragem, determinação e sofrimento, não só para que fosse preservada a dimensão democrática do 25 de Abril, como também para que se mantivesse permanentemente aberta, para o povo português, uma alternativa personalista e europeia ao projecto colectivista que alguns lhe quiseram impor.
Foi assim também que no ano passado os democrata-cristãos aqui se pronunciaram, vigorosa e claramente, na defesa da democraticidade e do pluralismo das nossas instituições, na defesa da opção europeia, que esta Assembleia acolhe maioritariamente, e na recusa frontal e sem ambiguidades de qualquer projecto totalitário e ditatorial, que vozes enganadoras e de traição viessem segredar aos ouvidos do povo, como via para a ultrapassagem de todas as dificuldades.

Porque assim somos e por estas verdades nos batemos, afirmámo-lo então, e hoje o repetimos, o CDS foi, é e será parte da dimensão libertadora e democrática de um ideal 25 de Abril.
Liberdade e democracia que são ruptura permanente, não só com os traços injustos e traumatizantes do antigo regime, mas também com aquilo que, no regime actual, ainda é fonte de frustração e desilusão, para que a nossa Pátria siga, permanentemente, rumo a um futuro mais livre e mais justo e, por isso, mais próspero e mais feliz.
Neste sentido, o CDS foi, é e continuará a ser uma força política apostada em Lutar contra o imobilismo, a injustiça e a ineficácia. Acreditamos, profundamente, que ao povo português está reservado um futuro de plena realização do destino a que a História lhe dá direito e não será com a nossa cumplicidade que serão criadas barreiras ao seu caminho de liberdade, de prosperidade e de paz.

Em todo o nosso ainda curto percurso histórico temo-nos batido pela realização de condições propícias ao enraizamento profundo do pluralismo democrático. Temo-lo feito com frontalidade e com lisura, respeitando as ideias e os projectos alheios, sem abdicar do que somos e do que queremos.
O pluralismo democrático exige que assumamos a coragem de nos mostrarmos diferentes nos caminhos que escolhemos.
O pluralismo não é, nem pode ser, a simples possibilidade filosófica da formulação de alternativas. Para que ele exista é indispensável que se concretizem, se explicitem e se ofereçam ao eleitorado os diferentes caminhos possíveis para realizar o bem-estar colectivo, em sintonia com as diversas opções culturais que percorrem o pluralismo da própria sociedade e, sempre, no respeito indesmentível pela dignidade nacional.
Pelo seu lado, o CDS não tem abdicado, uma e outra vez, de acentuar o sentido original do seu próprio contributo político, oferecendo um projecto inspirado no humanismo personalista de raiz cristã, como forma de se construir a sociedade do futuro.

Os caminhos seguidos em Portugal, sobretudo depois do 11 de Março, têm vindo a confirmar a justeza de muitas das nossas críticas e a oportunidade das nossas propostas.
Ao fim de vários anos de imposição colectivista, durante algum tempo no plano político e depois no plano jurídico, é preciso reconhecer que, em muitos aspectos, o País seguiu por rumos errados.
Mesmo o 25 de Novembro – reencontro nacional no plano democrático – não impediu o progresso estrutural do colectivismo, na economia e da sociedade.
Os frutos da experiência colectivista estão a conduzir-nos a bloqueamentos cada vez maiores. É, pois, necessário ter a coragem de reconhecer a urgência da mudança e de alternativas capazes de sustentar e dinamizar a introdução de profundas reformas, de sentido modernizador e inovador, na sociedade portuguesa.

A única forma de lutar contra o restauracionismo do 24 de Abril ou do 24 de Novembro, salvando assim a democracia, está na mudança. É a própria defesa das liberdades, é a luta peto ressurgimento nacional que no-lo impõem.
Compreender-se-á, porém, que o contributo específico de que, como partido, somos portadores, no quadro do pluralismo democrático, tenha em conta, por um lado, a profundidade e a dimensão das mudanças necessárias e, por outro, as circunstâncias políticas do momento presente.
A hora presente impõe uma ampla mobilização dos portugueses interessados em ajudar a construir um futuro melhor para todos. A hora presente é hostil ao abstencionismo e é de combate à tentação totalitária. A hora presente faz apelo a maior unidade, dentro da diversidade, e reclama mais autoridade institucional do Estado.
A hora presente é da sociedade civil. A hora presente, para ser fonte de mudança, tem de ser uma hora de lucidez, de patriotismo e de coragem.
Pelo seu lado, e em face das circunstâncias políticas actuais, o CDS pensa que é necessário construir uma maior unidade orgânica entre as forças que se reclamam de uma mesma intenção reformadora e de sentido civil, moderno e europeu da nossa sociedade e que se opõem ao estatismo, à burocracia e ao centralismo.

Nestes termos, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o CDS, ao propor a concretização de uma nova forma de unidade democrática, respeitadora dos contributos específicos daqueles a quem foi proposta, procura, ainda e uma vez mais, servir um pluralismo democrático miais eficaz e mais operante.
É próprio da democracia ser-se diferente. A diferença é, em si mesmo, uma condição básica da democracia.
Mas, em democracia, também não é legítimo acentuar de tal modo as diferenças, que se inviabilize o mínimo de entendimento entre forças políticas que partilhem de um mesmo ideal de sociedade. Se tal se fizer ou consentir, em Portugal, então estaremos perante um sinal claro de que forças políticas houve que trocaram a bandeira do País pelo seu emblema partidário e poucas esperanças poderão restar, no horizonte dos portugueses, de que algum dia sejam vencidas as dificuldades que os afligem e ultrapassada a crise em que se sentem afogados.
Nós acreditamos que assim não será e que no tecido político de Portugal ainda será possível encontrar os fios restantes que, uma vez unidos e solidários, possam constituir a esperança de vencer a adversidade. Daí o nosso entusiasmo e a nossa esperança. Daí a certeza, que hoje aqui manifestamos, de que a nossa proposta encontrará eco no meio daqueles a quem foi dirigida, porque para lá e acima dos partidos em que militamos está o próprio sentido dessa militância e esse não pode ser outro que não seja o desejo irreprimível de assegurar o futuro de Portugal.

Sr. Presidente da República: É convicção do CDS que se torna necessário reconciliar o País real com o Estado. Esta promessa de Abril ainda não foi cumprida.
É verdade que foram restauradas as liberdades e que um novo impulso de justiça social percorreu o País, mas também é verdade que o caminho da democracia política, tornado de novo possível com o 25 de Novembro, não foi acompanhado, como devia, por um processo de democratização económica e cultural.
Não admira, por isso, que o impulso de justiça não tenha assim encontrado um suporte suficiente no progresso da economia e na criação de riqueza e por isso continue à espera de concretização.
É verdade que se alargou o espaço de participação cívica e política dos cidadãos e que os negócios públicos se tornaram mais transparentes, passando a ser objecto directo da fiscalização popular, mas também é verdade que as instituições não oferecem, globalmente, aos cidadãos a clareza e a autoridade que se impunha e que a lei democrática é, aqui e além, desafiada, enquanto muitos sectores das forças sociais activas da Nação continuam a confrontar-se, no seu labor, com as contradições que lhe são impostas por um sistema económico-social desajustado, incoerente e, em muitos aspectos, imposto, sem lógica nem justiça, pelo revolucionarismo totalitário que sofremos em fins de 1974 e durante 1975.

A completa reconciliação da sociedade civil com o Estado é, pois, tarefa por realizar.
Não basta, por conseguinte, construir, no campo do pluralismo democrático, espaços de maior unidade e coerência. Os instrumentos políticos assim criados podem facilitar o reencontro da sociedade democrática com os partidos e ajudar ao reforço destes, como os mais idóneos meios de expressão do pluralismo social e cultural. Mas nós julgamos que, do lado do próprio Estado, se toma necessário definir, com maior rigor, o modo e o sentido de intervenção dos órgãos dotados de legitimidade democrática.
Só uma profunda revisão constitucional, de acordo com a vontade da maioria investida de poderes para a realizar, poderá assegurar, cabalmente, tal objectivo.(...)

O CDS, pelo seu lado, está tão interessado em contribuir para a dignificação do pluralismo democrático como empenhado está na defesa e reforma das instituições, de modo que o sistema político em Portugal seja capaz de se sintonizar, em profundidade, com o sentido da sociedade civil.
Para nós, um ideal 25 de Abril é também, neste pano, um ideal de mudança, uma capacidade de regeneração, um aprender de experiência.
Nesta perspectiva o saudosismo do 11 de Março é tão prejudicial ao 25 de Abril como o saudosismo do antigo regime – ambos são adversários da democracia.(...)

Não é por nas Forças Armadas ter havido quem tivesse traído as promessas feitas ao povo em 25 de Abril que se pode pôr em causa o sentido histórico, nacional e patriótico da instituição militar.
Hoje, 25 de Abril, saudamos solenemente a instituição militar, na sua hierarquia legítima, aqui representada pelo seu comandante supremo, e manifestamos o nosso profundo apreço, o nosso respeito e o nosso orgulho pelas multisseculares e gloriosas Forças Armadas portuguesas.

Decorridos que vão cinco anos sobre a madrugada do 25 de Abril, é tempo de romper o dia, num ideal 25 de Abril que foi prometido ao povo português, no respeito do pluralismo democrático e da sociedade civil.
Um 25 de Abril em que os pais vejam com tranquilidade um futuro seguro para os seus filhos, enquadrados por uma escolaridade que, em extensão e competência, não nos envergonhe; em que os jovens encontrem um mercado de trabalho amplo e diversificado, quando chegar a altura de ingressarem na vida activa; em que a prosperidade recompense o trabalho, de modo que o dia de amanhã seja mais fácil de vencer do que o de hoje; em que os doentes se sintam protegidos, acarinhados e tratados, de modo que rapidamente possam voltar a dar o seu contributo ao esforço social da comunidade; em que as famílias que se constituem encontrem um lar acessível e digno, onde se possam desenvolver e solidificar; em que os velhos e os reformados recebam os cuidados e o carinho que o seu esforço passado justifica e exige – esse 25 de Abril, ainda hoje está por construir.

A liberdade e a justiça são duas faces de um mesmo projecto de dignificação do homem.
Como recentemente recordava em Puebla o Papa João Paulo II, «aqueles sobre quem recai a responsabilidade da vida pública deverão compreender que a paz interna e a paz internacional só estarão asseguradas se tiver vigência um sistema social e económico baseado na justiça».

Raras são as gerações que tem o privilégio de traçar os destinos de uma Pátria. À nossa geração, como já sucedera à de Quinhentos, é-nos exigido que tracemos o destino de Portugal europeu dos séculos vindouros.
Apesar de todas as hesitações, apesar de todos os erros, perplexidades e desencontros que encheram estes cinco anos, o CDS afirma hoje, aqui e com esta solenidade, a certeza de que em breve findará a penumbra em que temos vivido e atingiremos o sol pleno de um ideal 25 de Abril para o povo português, finalmente reencontrado com o seu destino e determinado a reconstruir, com o seu próprio esforço, o desenvolvimento nacional, que, também aqui, é o novo nome da paz, da democracia, da liberdade e da justiça.»


[ Ver “Diário da Assembleia da República”, I Legislatura, Sessão 3, n.º 052, págs. 1843-46 ]

NOTA: Poucos meses depois, as propostas abertas do CDS concretizar-se-iam na formação da AD - Aliança Democrática, entre PSD, CDS e PPM, a qual, liderada por Sá Carneiro, Freitas do Amaral e Ribeiro Teles venceria com maioria absoluta as eleições de 1979 e 1980, lançando a primeira grande onda reformista e modernizadora em Portugal.